Sob o vazio da motocicleta, com raiva e paciência
- Rafael Rodrigo Mueller
- 29 de jun. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de out. de 2021
Realizar o negativo ainda nos é imposto, o positivo já nos é dado.
(Franz Kafka)
I
Motorcycle emptiness foi o quinto single do álbum Generation Terrorists (1992) da banda galesa Manic Street Preachers. O primeiro verso do refrão (Under neon Loneliness) é uma menção direta ao poema Neon Loneliness de Patrick Jones, irmão do baixista Nicky Wire. Segundo a própria banda, a música seria uma crítica a um modo de vida centrado na lógica do consumo passivo no qual a juventude estaria submetida no capitalismo.
II
Os membros da Internacional Situacionistas (IS) na década de 1960 afirmavam que a juventude já há muito havia se dobrado as normas do espetáculo da vida não vivida quando escrevem o manifesto “A miséria do meio estudantil”. O ímpeto e a potência juvenil de ‘tudo mudar’ estavam orientados para que ‘que tudo permanecesse como está’ e a ação estava restrita a lógica do presente perpétuo: no mundo espetacular transformado pela atividade fetichizada, ‘tudo’ acontecia sob o manto do ‘nada’ reluzente. Nesse moto perpétuo inerte, nada mais justo que os situs se voltassem radicalmente contra a vida cotidiana em que “os amanhãs não cantarão, e ele [o jovem] fatalmente se banhará na mediocridade” (IS, 2002, p. 33).
III
Compreender e criticar a dinâmica da inércia presente e da vida esvaziada de sentido parecia ser a tarefa da IS em sua curta e intensa existência: o tempo e o espaço do espetáculo deveriam ser submetidos ao desvio [détournement] e a deambulação desinteressada para que assim o futuro pudesse se tornar o lugar do realmente novo, o ainda-não lugar. Isso significa que o ‘modo de usar’ os objetos - artísticos, científicos, tecnológicos etc. – não poderia ser o mesmo em uma outra forma social, correndo-se o risco de transformar, sob o manto da novidade e da ruptura, o espetáculo em plus-espetáculo.
IV
Motorcycle emptiness é o som do moto perpétuo que estabelece a dinâmica da vida inerte e a plenitude de uma vida vazia. É a aceleração do veículo que nos lança em uma estrada que não leva a lugar algum. O som da crítica melancólica ao espetáculo que se mescla ao Top 20 da música asséptica e reluzente pelo verniz pop. É a constatação de uma cultura que ao mesmo tempo permite a circulação do ódio e “se alimenta de seus sorrisos”; que estabelece a mentira como característica de uma vida sendo vendida por nada. O espetáculo da mercadoria nos suga todo ar que utilizamos para consumir a mercadoria espetacular. O som que emana de nossos pulmões exauridos é só um:
“Sob a solidão do neon, o vazio da motocicleta, Sob a solidão do neon, o vazio da motocicleta”
V
Aparentemente, o que nos resta é viver a vida “como se estivesse em coma”, agradecendo ao capitalismo tudo o que ele nos proporciona em termos de experiência cotidiana que não nos diz nada. É cantar em uníssono: “tudo o que queremos de você são os chutes que você nos deu”...
Sob a solidão do neon, o vazio da motocicleta
Sob a solidão do neon, o vazio da motocicleta
VI
No vídeo de Motorcycle emptiness, vê-se a banda perdida na multidão de Tóquio prostrada, como se estivesse na espera de algo, subsumida pela dinâmica do neon. Talvez fosse mais correto compreender a postura da banda por seus acordes esperançosos ao final da música e pelos versos de Hans Magnus Enzensberger:
É preciso raiva e paciência para se soprar nos pulmões do poder o fino pó mortal, moído por aqueles, que aprenderam muito, que são exatos, por ti.




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