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The Haçienda must be built (A Haçienda deve ser construída)

Maksymilian Fus Mickiewicz

Tradução: Rafael R. Mueller e Cristiano J. Steinmetz



Acima: Pessoas saindo da pista de dança do Haçienda na noite da festa de aniversário de oito anos do clube, Manchester, 1990 – por Kevin Cummins


A princípio, a relação entre a Internacional Situacionista e o clube Haçienda de Manchester parece surpreendentemente óbvia. Afinal de contas, Ivan Chtcheglov, um membro fundador da Internacional Situacionista, escreveu “a fazenda deve ser construída” em seu ensaio Formulário para um novo urbanismo. [1] É uma declaração conhecida por ter inspirado o nome e os objetivos do clube Haçienda. [2] No entanto, há muito pouco trabalho a ser encontrado que realmente compare diretamente o próprio local com o texto de Chtcheglov. Talvez o mais próximo que chegamos seja o parágrafo de abertura de The Haçienda Must Be Built, um livro do jornalista musical Jon Savage:


“Quando você realmente lê o texto, descobre que fala de devaneio, de deriva, de se sentir livre. Por muitas vezes nos últimos dez anos, a Haçienda foi esse espaço.” [3]


Mesmo uma conferência internacional sobre a Internacional Situacionista realizada na Haçienda em 1996 não menciona o ensaio de Ivan Chtcheglov ou a Haçienda como um espaço arquitetônico ou uma ideia. [4] O objetivo deste ensaio, então, é buscar uma investigação completa sobre aquilo que escapa ao parágrafo de Jon Savage. Nele, o Formulário para um Novo Urbanismo é tratado como um manifesto pela mudança e a Haçienda como uma manifestação direta dessa mudança. O clube Haçienda é um espaço 'transe-formativo' em Manchester, onde a arquitetura radical interior, a subcultura, ecstasy e acid-house foram reunidos em um estado de jogo que transformou a percepção das pessoas de seu contexto urbano e, portanto, o próprio contexto.

Como o clube em si não existe mais, cumprindo sua tarefa em 1997, grande parte do material de origem é de natureza arquivística. Fotografias do local durante o dia, vídeos dele em pleno funcionamento durante a noite, entrevistas com os envolvidos na gestão do clube e até obras de arte da Factory, a gravadora que financiou o projeto. Embora se possa esperar que isso resulte em uma longa anedota nostálgica do auge dos clubes, o caráter e o equilíbrio entre as fontes significam que muitos dos pontos baixos, bem como momentos de amnésia, estão presentes. Na verdade, muitas das pessoas envolvidas argumentam repetidamente que nunca fariam isso novamente. Um dos diretores, Peter Hook (baixista do Joy Division e depois do New Order), até escreveu um livro chamado “The Haçienda: How Not to Run a Club”. Seu raciocínio, o fato de que a banda de Hook, New Order, perdeu milhões de libras através do clube, [5]é também, no entanto, uma das razões pelas quais foi um sucesso tão grande para os mancunianos e para Manchester em nível global.


Uma maneira fundamental de entender isso é ver o clube como um projeto liderado pela comunidade que atende ao chamado de Chtcheglov para aliviar a monotonia da experiência disponível na cidade.


“Estamos entediados na cidade, não existe mais nenhum Templo do Sol. Entre as pernas das mulheres que passavam, os dadaístas imaginavam uma chave inglesa e os surrealistas uma taça de cristal. Isso está perdido. Sabemos ler todas as promessas nos rostos – o último estágio da morfologia. A poesia dos outdoors durou vinte anos. Estamos entediados na cidade, realmente temos que nos esforçar para ainda descobrir mistérios nos outdoors das calçadas, o último estado de humor e poesia.” [6]


Escrevendo em 1953 Chtcheglov sente-se claramente alienado de Paris. Para ele, a experiência cultural na cidade estagnou e a única intervenção artística, o único entretenimento, por assim dizer, parece ser o leque de anúncios que revestem as ruas. O mais importante “não existe mais nenhum Templo do Sol”; não existe um 'lugar de iluminação' na cidade onde as atividades culturais possam se reunir. O colega situacionista Guy Debord procura explicar esse sentimento através de um olhar crítico sobre o plano de Paris do Barão Haussmann. É um plano onde ele vê as prioridades primordiais como grandes espaços públicos para impedir o sucesso de uma possível revolução e um sistema de transporte para levar as pessoas para o trabalho rapidamente. Um projeto de cidade que ele argumenta que não tem outro propósito senão o comercial e, portanto, que ignora a importância da cultura e do jogo para a população.[7] Esse também foi o planejamento urbano enfrentado por Manchester no final da década de 1970. A área central de Gaythorn, local em que a Haçienda seria construída é descrita como “pobre e espoliada”: uma área de expansão industrial por quase um século que recentemente também havia perdido sua indústria comercial. [8] Tudo o que restou foi uma paisagem de armazéns abandonados como os apresentados nos vídeos do Joy Division.


Acima: Capturas de tela tiradas do vídeo de Joy Division – Love Will Tear Us Apart


No vídeo de Love Will Tear Us Apart do Joy Division há uma fusão visual do ambiente urbano e dos membros da banda. Somos convidados a subir um beco em uma fábrica através de uma porta e em um espaço ex-industrial onde várias tomadas da banda tocando são editadas para espelhar com a cor vermelha enferrujada de alto contraste da Manchester pós-industrial. Era um formato de música e vídeo com uma mensagem bem diferente dos sucessos das paradas da época. De fato, o número um em agosto de 1979, quando ambos os discos foram lançados, foi Cars de Gary Numan. Neste vídeo, Numan canta em um estúdio escuro no centro de uma estrutura de pirâmide verde neon que brilha contra sua maquiagem branca. Ele anuncia um futuro cibernético, uma fantasia escapista onde, segundo Numan: “você pode se sentir seguro dentro de um carro no mundo moderno”.[9]

Acima: Capturas de tela tiradas do vídeo de Cars de Gary Numan


Essa fantasia comercial da vida urbana é exatamente aquela que os situacionistas desprezam. Em sua Crítica da Geografia Urbana, Debord deixa claro que:

“ A atual abundância de automóveis particulares é um dos sucessos mais surpreendentes da constante propaganda pela qual a produção capitalista convence as massas de que a propriedade do carro é um dos privilégios que nossa sociedade reserva para seus membros mais privilegiados.” [10]


Aqueles que têm o capital monetário são persuadidos através da publicidade a comprar a si mesmos fora da realidade em uma fantasia comercial que encobre sua visão do ambiente urbano real e, assim, impede um envolvimento real com seu contexto urbano. Em contraste, as letras de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, visam se envolver com a luta da vida profissional.


“Quando a rotina é dura,

E as ambições são baixas,

E o ressentimento voa alto,

Mas emoções não vão crescer.

E estamos mudando nossos caminhos,

Tomando caminhos diferentes.” [11]


Elas correm paralelamente à experiência melancólica da cidade de Chtcheglov, sua frustração com a monotonia da experiência cotidiana e a busca de um caminho diferente. Desta forma, Ian Curtis tornou-se uma voz para os desprivilegiados que se perguntavam sobre a Manchester pós-industrial e para além. Tanto que quando o cantor cometeu suicídio em 1980, a reputação do Joy Division tornou-se lendária e as vendas de discos subiram para 250.000 em 1982. [12]. O abatimento de Curtis significou um duro golpe para os eventuais lucros da Factory Records.


Tony Wilson, o proprietário da Factory, sugere a responsabilidade moral sentida dentro do grupo após a morte de Curtis quando perguntado 'por que se preocupar em construir a Haçienda' em uma entrevista na televisão:


“É necessário para cada período construir suas catedrais, é necessário que qualquer cultura jovem tenha um lugar, um senso de lugar, e Manchester nunca teve um por muitos anos. Encontramo-nos numa situação financeira em que podemos fazer algo a respeito e, em terceiro lugar, é necessário que uma cidade como Manchester, que é uma cidade importante e tem sido importante para a música, tenha as facilidades que Nova Iorque e Paris têm e não as ter seria uma vergonha.” [13]


Como empresário do Joy Division, ele viu multidões se aglomerando nos shows da banda e entendeu a privação que sentiam, o poder que a música tinha sobre eles e a razão pela qual a Factory Records de repente obteve lucro com a morte do cantor. Em particular, as ideias de Pierre Bourdieu sobre a transferência de 'capital cultural' para 'capital econômico' são incrivelmente úteis aqui. Em termos simples, para Bourdieu, temos que tratar o capital cultural - como artes e música -, em um nível igual ao capital econômico, como algo tão 'simbólico' quanto um título de doutorado pode, em teoria, significar que você ganhe um salário mais alto do que alguém sem a qualificação de um doutor. [14]Assim, o que antes era considerado fora do domínio de um contexto econômico agora pode ser entendido a partir desse. Se estendermos esta fórmula aos estudos de arquitetura podemos compreender ainda mais o ambiente urbano como tendo grande valor. O desânimo criado através da experiência da cidade manifesta através da música do Joy Division na Factory ressoou com o público e criou capital cultural que depois se converteu em capital monetário. Em vez de gastar os lucros como bônus de fim de ano, a Factory lançaria a Haçienda: convertendo o capital econômico de volta em capital cultural e, eventualmente, em capital urbano regenerativo. Além disso, atende ao apelo de Chtcheglov por um lugar que excite a imaginação, um 'Templo do Sol', uma Haçienda. “E você, esquecido, suas memórias devastadas por todas as consternações de dois hemisférios, encalhados nos Porões Vermelhos de Pali-Kao, sem música e sem geografia”[15]. Formulário para um novo urbanismo foi escrito como um discurso para aqueles que se sentiam desprivilegiados e alienados de seu próprio ambiente. E como um espaço, a Factory Records certamente queria estabelecer a Haçienda como um lugar para uma nova cena musical que colocaria Manchester no mapa. Como um espaço arquitetônico, o clube literalmente capturaria a subcultura local, a reformataria e a tocaria para as multidões em êxtase. Era um lugar projetado para que os jovens se reunissem, experimentassem sua identidade e restabelecessem sua cidade como o lugar para estar.


Como Chtcheglov deixa claro, isso só poderia ser feito com base no capital cultural de Manchester. “Todas as cidades são geológicas”, ele afirma. “Você não pode dar três passos sem encontrar fantasmas com todo o prestígio de suas lendas” [16]. De muitas maneiras, o passado musical de Manchester e sua herança industrial eram algo para se orgulhar, não para serem ignorados, apesar de seu claro fim. Para conseguir isso, Chtcheglov oferece uma fórmula para a regeneração urbana no sentido mais estrito. “Essas imagens datadas mantêm um pequeno poder catalisador, mas é quase impossível usá-las em um urbanismo simbólico sem rejuvenescê-las dando-lhes um novo significado” [17]. Mais do que demolir um contexto urbano ou partir de um pedaço de terra virgem, sua ideia de regeneração urbana é apropriar-se da herança simbólica de um contexto urbano e dar-lhe um novo significado, defendendo em muitos aspectos uma reciclagem de ideias e formas.


Não é surpresa então que Ben Kelly, o arquiteto de interiores da Haçienda, tenha recebido um briefing que visava incorporar elementos da Factory Records e da herança de Manchester no design do clube. Guiado por Peter Saville, o Diretor de Arte da gravadora, ele começou observando as capas dos discos que a gravadora produzia para interpretar o 2D no 3D. [18] No entanto, o esquema de cores e o minimalismo de Saville logo provaram ser limitados no sentido arquitetônico.

Acima: Fac. 1: um pôster para as noites da Factory anteriores à Haçienda projetada por Peter Saville. Foi o primeiro item do catálogo oficial da Factory Records. A Factory foi catalogada como Fac.51.


Em vez disso, Kelly desenvolveu um processo de design que levaria materiais da área circundante de Gaythorn. Tratava-se de “tirar [materiais industriais] desse contexto e colocá-los em um novo contexto e, quando você eventualmente junta os elementos, esperançosamente estabelece uma nova linguagem de materiais que diga algo novo e diferente”. [19] Desta forma a Factory tinha um clube que literalmente reciclava a herança industrial simbólica de Manchester. Além disso, aplicou a funcionalidade associada ao design industrial em uma funcionalidade que ditaria o funcionamento da pista de dança.


“Estávamos bastante preocupados com as mulheres pegando seus saltos altos nos olhos de gatos [sinalizadores visuais] [ao redor da pista de dança], então tivemos a ideia de usar postes de amarração, que você veria na beira da estrada alinhados com os olhos de gato reais na pista de dança para que atuem como um sistema de filtragem dentro e fora da pista de dança.” [20]


A pista de dança virou chão de fábrica.

Acima: Arquitetura de interiores da Haçienda de a na Architectural Review (1982) Vol. 172 – Edição 1027. P.78-79


Foi uma ruptura radical com o design de interiores para espaços de música, não apenas em Manchester, mas em todo o mundo. O historiador urbano Ed Gilnert descreve como 'os investidores foram atraídos pela decoração industrial austera de Ben Kelly – não há um vaso de plantas ou tapete de pelúcia à vista.' [21] Claramente afirmando seu orgulho na herança de Manchester, exorcizando fantasmas do passado, o Haçienda foi projetado de uma maneira bem diferente de qualquer outro clube. O objetivo estava no olhar de Tony Wilson para torná-lo incrivelmente consciente do fato de que você estava em Manchester.


“Se você dirigir pelas ruas de Manchester para chegar até aqui, se você entrar em um espaço que seja qualquer outra coisa, que tenha sofás de veludo, uma escadaria renovada do Camden Palace, você sentirá que não está mais em Manchester, mas aqui você ainda está em Manchester; as formas industriais, as linhas, o aço é e pode ser bonito tanto por fora quanto por dentro.” [22]


As cores vermelhas e amarelas ousadas, geralmente sinônimo de perigo em um local de trabalho industrial, vieram para expressar a Factory Records ao mesmo tempo, além das outras discotecas e locais ao vivo em Manchester, mas mais próximo do que qualquer um deles da própria cidade.


Os críticos podem argumentar que, de fato, o Haçienda está próximo do movimento De Stijl em seu uso abstrato de cores e arranjo harmonioso. O uso de cores primárias e linhas horizontais são ingredientes chave para a fórmula de Piet Mondrian para Le Néo-plasticisme [23] e a funcionalidade do projeto tem semelhança com a casa de Rietveld Schroder. Espelharia a ideia de Mondrian de que a arte deveria ter o 'interior exteriorizado e o exterior internalizado'. [24]

Acima: interior da Casa Rietveld Schröder no estilo De Stijl pelo arquiteto Gerrit Rietveld.


É uma crítica, pois claramente Chtcheglov fez questão de acabar com o neoplasticismo em sua visão da arquitetura futura. “A abstração invadiu todas as artes”, declara com desdém. “A arquitetura contemporânea em particular. A plasticidade pura, inanimada e sem história, acalma os olhos.” [25] Ele vê a arquitetura da época como uma tentativa fracassada de integrar a tecnologia moderna com a imaginação do folclore. No entanto, no contexto da tipologia dos clubes, o Haçienda se apropriou inconsciente ou conscientemente desse estilo com um objetivo muito diferente. A maioria dos locais deliberadamente não tinha nenhum estilo, lugares com decoração mínima que você não seria capaz de reconhecer durante o dia, para que diferentes clubes noturnos pudessem ocupar o espaço. [26]Com o Haçienda, o objetivo era deliberadamente tornar o local dominante e as noites funcionarem nesse contexto, o contexto de Manchester, e nesse sentido deu vida à história simbólica que Chtcheglov ansiava.


Outra maneira pela qual o Haçienda atendeu aos critérios estabelecidos pelo Formulário foi que ele poderia mudar rapidamente sua decoração e função. O sistema de iluminação foi projetado para se assemelhar ao de um teatro, em vez de uma discoteca típica, para que se pudesse destacar no clube algo para além do que apenas o ato de dançar, na verdade, Wilson também imaginou o espaço como um local onde o teatro local poderia encenar produções, aulas de ginástica poderiam ocorrer ou até mesmo um mercado diurno. [27]O Haçienda nunca foi projetado simplesmente como um local de música. Era também a antítese do estilo modernista de arquitetura de Le Corbusier. A fachada do Haçienda era circular em vez de reta, de tijolo vermelho vitoriano em vez de concreto caiado. Embora apropriado com a compra do edifício e não propositadamente projetado, representou a apreciação da Factory Records pela arquitetura vernacular de Manchester e deu nova vida com o Fac. 51, selo oficial do catálogo. O apelo da arquitetura como o do Haçienda enquanto uma forma ideal de beleza é melhor explicado no livro de Simon Sadler: The Situationist City. Aqui ele demonstra que o edifício ideal do situacionista era bonito porque era visualmente atraente para se olhar em si mesmo, mas que também representava um certo tipo de otimismo. [28]A fachada do Haçienda tornou-se simbólica apesar de modesta e aqueles que a reconheceram também reconheceram que dentro havia um espaço de jogo.

Acima: exterior de tijolos vermelhos do Haçienda.

Acima: o selo oficial Fac. 51.

Acima: Villa Savoye, uma típica construção modernista caiada de Corbusier.


Uma questão mais problemática em torno do Haçienda é a questão de saber se era um local pós-moderno. Muitos dos escritos situacionistas têm sido ligados a pensadores pós-modernistas, como a “hiper-realidade de Baudrilard” relacionada ao “espetáculo de Debord” e o conceito situacionista de deriva, com “o 'pensamento filosófico à deriva' de Lyotard”. [29] De fato, o hit da Factory Record, True Faith do New Order, foi recentemente apresentado na exposição Postmodernism: Style and Subversion de Victoria e Albert. Ben Kelly se opõe fortemente a esta associação em termos de design do Haçienda. O arco em ruínas, ele argumenta, era “eu tentando zombar do pós-modernismo, que havia levantado sua cabeça feia na época e com o qual me senti muito desconfortável”.[30] Em vez de um desafio complexo ao modernismo, estava mais próximo do apelo situacionista por um estado de jogo, como um escritor da Architectural Review afirma “misericordiosamente” que ele “não tem nenhum machado teórico para moer”. [31]


Desta forma, o Haçienda tornou-se a peça perfeita da arquitetura situacionista e o cenário perfeito para os clubbers. “A escuridão e a obscuridade são banidas pela iluminação artificial, e as estações pelo ar condicionado… Os últimos desenvolvimentos tecnológicos possibilitariam o contato ininterrupto do indivíduo com a realidade cósmica, eliminando seus aspectos desagradáveis.” [32] O contexto urbano do Haçienda dentro do espaço arquitetônico também deixa claro que o público do local ligaria sua experiência simbolicamente a Manchester. Isso era bem diferente da maioria dos outros clubes que não tinham outro propósito além de proporcionar prazer hedonista. Na descrição de Sarah Thornton, a maioria eram “refúgios interiores com tamanha presença que os dançarinos esquecem a hora e o lugar locais”. [33]Eram lugares de escapismo. A arquitetura no Haçienda estava presente e não invisível. Tinha o poder de modificar “as concepções atuais de tempo e espaço”. Tornou-se “um meio de conhecimento e um meio de ação”. [34] Mais tarde, depois que o design foi concluído, a Factory instalou a cabine do DJ na varanda do clube, ficando escondido acima da pista de dança. Ali os DJs podem se tornar atores invisíveis, controlando a multidão, tocando discos em um ritmo ou humor mais alto ou mais baixo. Aqueles que controlavam a música e a iluminação em sua invisibilidade poderiam se tornar parte da arquitetura, e assim o Haçienda tornou-se uma máquina em si mesma que poderia alterar concepções de tempo e espaço.


Essa nova arquitetura criou a nova civilização com a qual os situacionistas sonhavam. Um lugar que se tornou o templo de muitas pessoas, onde a noite se tornou o tempo de viver e uma nova concepção de comportamentos se formou. [35] Era um espaço arquitetônico de libertação do qual se podia entrar e sair de diferentes partes da cidade durante algumas horas ou mesmo alguns anos. Ao contrário da maioria dos clubes, ele quebrou a hierarquia e uniu as pessoas. Em Club Cultures, Thornton enfatiza como a legislação permitiu que os clubes discriminassem a raça, idade e sexo daqueles que desejavam entrar. [36]Aqueles que se lembram do Haçienda, como o DJ Mike Pickering, lembram-se com carinho de como havia várias cenas desde ‘jovens negros até jovens da classe trabalhadora de propriedades estatais que conviviam com homossexuais e boêmios'. [37] Muitos gostariam de atribuir isso ao êxtase. E, de fato, é inegável que a droga MDMA ativou o auge do clube onde ocorreu 'a libertação da humanidade dos cuidados materiais'. [38] O verão de amor de 1988 em Manchester e no Reino Unido começou no clube Haçienda. No entanto, também havia algo mais sutil acontecendo lá que era um espírito coletivo de Manchester. Um frequentador regular do Haçienda descreve como as pessoas começaram a refletir umas sobre as outras de forma diferente dentro do espaço do clube:


“Os gostos musicais das pessoas mudaram, sua atitude em relação à música negra. Revistas e bandas adotaram a música negra. A moda desempenhou um papel importante; as pessoas estavam vestindo agasalhos, vestindo roupas folgadas, dando menos ênfase em ficar bem para os outros. Agora há uma grande porcentagem que sente que não precisa da droga para chegar a esse estado. Para ser capaz de remover-se da droga. E sentindo, foi a droga, ou fomos nós? Se eles capturarem a mesma vibração sem a droga, temos uma utopia séria. Estado ideal. Agora não há tantos indivíduos no Haçienda, mas há uma linha tênue entre individualidade e clube, e há um clube coletivo dentro do clube.” [39]


Aqueles que participaram das atividades do Haçienda tornaram-se menos preocupados com a hierarquia, com a necessidade de fazer melhor do que o outro, com o impulso econômico de um sistema capitalista e mais uns com os outros enquanto um coletivo que poderia se deleitar com a autoexpressão de identidade.

Acima: os vários indivíduos do clube se divertem coletivamente com a oportunidade de expressar suas próprias fantasias e desejos.


O Haçienda era o ponto de encontro que Chtcheglov buscava, resultado das experimentações de comportamento que ele defendia. Era um lugar na cidade que agia simbolicamente para representar a cidade e unir a cidade com sucesso. Mesmo que às vezes isso significasse que as gangues também se envolveram na 'cena', ele permaneceu um lugar de 'conforto e segurança' durante a maior parte do tempo. Foi uma prova para o Haçienda quando Claire Leighton, de 16 anos, morreu após tomar uma pílula de ecstasy, o líder do Conselho da Cidade de Manchester escreveu ao tribunal de magistrados em torno do inquérito, tranquilizando-os sobre a influência positiva do clube. “Graham Stringer, escreveu ao tribunal de magistrados explicando que o Haçienda fez uma 'contribuição significativa para o uso ativo do núcleo do centro da cidade' de acordo com a política do próprio governo de regenerar áreas urbanas”.[40] O Haçienda conseguiu converter o capital cultural de Manchester em crescimento econômico real. Na verdade, Gilnert afirma que o efeito foi sentido muito além do fechamento dos clubes. “A abertura do Haçienda em um antigo armazém de iates aqui em 1982 revitalizou o que era uma área deprimida, e outros locais logo clamaram por um endereço próximo aos cenários dramáticos de viadutos ferroviários, canais e tijolos vitorianos decadentes.” [41] Ainda hoje o nome do clube nasce de um empreendimento imobiliário que estilisticamente faz referência ao seu passado clubbing e simbolicamente representa a reconstrução de Gaythorn em um hot spot de propriedades. [42]


Tal é o magnetismo da ideia de Haçienda agora que as pessoas visitam o empreendimento imobiliário reencarnado que se chama Haçienda. Tornou-se uma catedral que incorpora muitas fantasias diferentes para muitas pessoas diferentes. Talvez o mais importante tenha sido um espaço que em sua concepção e legado era muito mais do que um composto químico. Chtcheglov menciona os diferentes bairros da cidade, o Bairro Feliz ou o Bairro Histórico, por exemplo. E, sem dúvida, como uma peça sólida de arquitetura, o Haçienda, através de vários meios, criou seu próprio Bairro Cultural dentro da cidade, mas talvez mais apropriadamente com sua desconstrução, o Haçienda se dispersou de volta na música, arte e identidade cultural de Manchester. Aqueles que desejam persegui-lo devem agora, no verdadeiro estilo situacionista, 'desviar-se continuamente'.


Referências:


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The Haçienda must be built: on the legacy of Situationist revolt, The Haçienda, Manchester, 1996


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Williams, Richard, (2006) ‘This Charming Manchester’ Blueprint:, Vol.1 – Issue: 246.



[1] Chtcheglov, Ivan. (1953) Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm. Last accessed 24/04/2012


[2] Savage, John. (1992) The Haçienda Must be Built, Woodford Green, International Music Publications, P.17


[3] Savage, P. 17


[4] See: The Haçienda must be built: on the legacy of Situationist revolt, The Haçienda, Manchester, 1996


[5] Perry, Andrew. (2009) ‘How Not To Run A Nightclub,’ Telegraph http://www.telegraph.co.uk/culture/music/rockandpopfeatures/6251008/The-Haçienda-how-not-to-run-a-nightclub.html. Last accessed 24/04/12


[6] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/12


[7] Debord, Guy. (1955) Critique of Urban Geography http://www.bopsecrets.org/SI/urbgeog.htm Last accessed 24/04/12


[8] Gilnert, Ed. (2008) The Manchester Compendium: a street by street guide to England’s greatest industrial city. London, Allen Lane P.59


[9] Anderson, Phillip. (2001) Interview with Gary Numan. Kaos 2000 Magazine http://www.kaos2000.net/interviews/garynuman/ . Last accessed 24/04/2012


[10] Debord, Critique of Urban Geography http://www.bopsecrets.org/SI/urbgeog.htm Last accessed 24/04/12


[11] Curtis, Ian (1979). Love Will Tear Us Apart EP


[12] ‘Afterwards: the eternal’ http://www.joydiv.org/hist3.htm Last accessed 24/04/12


[13] ‘Tony Wilson + Haçienda = Thank You’ (retrieved footage in 2007) http://www.youtube.com/watch?v=YvUwmKDGhC8&feature=related Last accessed 24/04/12


[14] Knobl, Wolfgang. (2011) The legacy of Pierre Bourdieu : critical essays / edited by Simon Susen and Bryan S Turner. London ; New York : Anthem Press. PP.15-17

[15] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/12


[16] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/12


[17] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/12


[18] Savage, P21


[19] ‘Tony Wilson + Haçienda = Thank You’ http://www.youtube.com/watch?v=YvUwmKDGhC8&feature=related Last accessed 24/04/2004


[20] ‘Tony Wilson + Haçienda = Thank You’ http://www.youtube.com/watch?v=YvUwmKDGhC8&feature=related


Last accessed 24/04/2004


[21] Gilnert, P. 59


[22] ‘Tony Wilson + Haçienda = Thank You’ http://www.youtube.com/watch?v=YvUwmKDGhC8&feature=related Last accessed 24/04/2004


[23] Henkels, H (2009) Grove Art Online http://www.moma.org/collection/theme.php?theme_id=10131 Last accessed 24/04/2004


[24] Henkels, H (2009) Grove Art Online http://www.moma.org/collection/theme.php?theme_id=10131 Last accessed 24/04/2004


[25] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/2004


[26] Thornton, Sarah. (1995) Club cultures : music, media and subcultural capital / Cambridge : Polity, P.22


[27] ‘Tony Wilson + Haçienda = Thank You’ http://www.youtube.com/watch?v=YvUwmKDGhC8&feature=related Last accessed 24/04/2004


[28] Sadler, Simon. (1998) The Situationist City, Formulary For A New Urbanism, Cambridge Mass; London : MIT. P.73


[29] Sim, Stuart, (2004) Routledge Companion to Post-Modernism. Routledge. P. 308


[30] Savage, P.21


[31] Best, Alistair, (1982) Architectural Review: vol. 172 – Issue: 1027. P.81


[32] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/2012


[33] Thornton, 21


[34] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/2012


[35] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/2012


[36] Thornton, 24


[37] Savage, 38


[38] Chtcheglov, Formulary for a New Urbanism: http://www.bopsecrets.org/SI/Chtcheglov.htm Last accessed 24/04/2012


[39] Savage, P. 40


[40] Gilnert, P.61


[41] Gilnert, P.59


[42] Williams, Richard, (2006) ‘This Charming Manchester’ Blueprint:, Vol.1 – Issue: 246, P.29




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